quinta-feira, 10 de março de 2016

Where art thou?

E foi com violência que te pedi que ficasse, como é sempre violentamente que te peço que fique. Talvez porque tudo isso estivesse perdido desde antes de começar. Como se a sensação pudesse ser tão intangível que qualquer tentativa de senti-la resultasse apenas em distância e erros.
Mas talvez ...e eu sinto tão mais isto... talvez não. Porque aconteceu e não parecia nada distante de qualquer coisa palpável dentro da realidade ou mesmo possível de existir (ainda dentro da mesma realidade). E enquanto aconteceu foi a coisa mais maravilhosa e perturbadora que ousei sentir. Eu ousaria bem mais, mesmo não tendo como suportar... afinal de contas, sempre fui de desejar tudo o que me escapa.

Onde está você?
NIETZSCHE: OS CONCEITOS DE VIDA E SOFRIMENTO COMO INSTRUMENTOS NA PRÁTICA CLÍNICA

(Francine Alves Mello - Psicóloga)

(Trabalho realizado como requisito de avaliação da disciplina Prática Clínica I, ministrada pela Profª Drª Ana Lúcia Ribeiro, no Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia)


Este texto pretende relacionar os conceitos de vida e sofrimento do filósofo Nietzsche com suas possibilidades de aplicação no contexto clínico.

Para tal filósofo a verdade não existe enquanto coisa em si, mas somente como interpretação do mundo, dessa forma o conhecimento não é possível. Nietzsche afirma que a própria crença de que seja possível o conhecimento é um fato moral e escreve “não é dos juízos lógicos, os mais inferiores e fundamentais, que pode proceder a ousadia de nossa suspeita; a confiança na razão, que é inseparável da validez destes juízos, enquanto confiança, é um fenômeno ‘moral’.” (NIETZSCHE, 1947, § 3 apud TRAPP, 2005). Assim cabe questionar qual o valor desses juízos aos quais chamamos de conhecimento, se são benéficos ou não para o homem.

Os valores precisam de critérios para serem avaliados e de acordo com Nietzsche a vida é

[...] o único critério de valor que se impõe por si mesmo, pois “o valor da vida não pode ser apreciado. Não por um vivente, por ser parte na causa e até objeto de disputa, e não juiz; nem por um morto, por uma outra razão.” (NIETZSCHE, s/d (1), §2). Critério universal de valor, a vida impõe-se pela força do próprio argumento, pois “seria preciso estar colocadofora da vida e, por outro lado, conhecê-la tão bem como aquele, como muitos, como todos que a viveram, para poder abordar o problema do valor da vida em geral; razões suficientes para entender que este problema é, para nós, um problema inacessível.” (Id., § 5 apud TRAPP, 2005).

A vida para o autor é uma realidade efetiva e Sócrates, os cristãos e idealistas, ao dividirem o mundo em mundo transcendente – verdadeiro, real e positivo – e mundo corpóreo – ilusório, negativo - fogem dessa realidade, preferindo sobreviver através de uma mentira. A verdade e o conhecimento nada mais são que a própria afirmação da vida pelo que ela é, pela apropriação dela e do que deseja ser, isto é, a própria vida em si mesma (SILVA, 2005).

[...] um dizer Sim sem reserva, ao sofrimento mesmo, à culpa mesmo, a tudo que é estranho e questionável na existência mesmo... Esse último, mais radiante, mais exaltado-exuberante Sim à vida é não apenas a mais elevada percepção é também a mais profunda, a mais rigorosa firmada e confirmada por ciência e verdade (NIETZSCHE, s/d apud SILVA, 2005).

Nietzsche faz uma exaltação à vida, à possibilidade de vive-la em sua plenitude e em sua realidade. Viver a vida sem reservas já que é algo que se afirma como verdade por si mesma, cujo valor não pode ser apreciado pelo homem já que ele está imerso nela. A divisão metafísica do mundo em real-transcendente e ilusório- corporal ameaça e enfraquece a vida, pois ao consagrar e enfatizar o que transcende ignora o homem real, e com ele a realidade da própria vida.

Para Nietzsche, dizer sim à vida também significa dizer sim ao sofrimento. Este além de ser força impulsionadora da arte é também uma resultante da compreensão da existência em sua essência, ou seja, o sofrimento é inerente à existência humana (VIGANÓ, 2003).

O sofrimento tem função fundamental na vida, já que para Nietzsche todo sofrimento tem um lado bom, as dificuldades são normais na vida e a dor que sentimos surge da distancia entre o que idealizamos ser e o que somos na realidade (PHILOSOPHY...).

Enquanto inevitável e inexorável à vida, o sofrimento deve ser cultivado. Deve-se extrair dele bons frutos, pois segundo o filósofo, para conquistar algo que realmente valha a pena é necessário muito esforço e, portanto, e sempre, certa dose de sofrimento. Então, a felicidade nada mais é que a resultante do bom cultivo e utilização adequado do sofrimento, do qual nenhum humano está livre.

Nesse sentido é que Nietzsche critica as religiões, pois estas com seus dogmas amortizam a dor e ao fazê-lo, amortizam também a energia que ela nos dá a qual impulsiona para a resolução dos problemas e para chegar à felicidade, à conquista (PHILOSOPHY...). Nietzsche esclarece “na doutrina dos mistérios, o sofrimento é dito sagrado: as ‘dores das parturientes’ sacralizam o sofrimento em geral – todo vir-a-ser e todo crescimento, tudo o que se responsabiliza pelo futuro condiciona o sofrimento” (NIESTZSCHE, 2000, p. 117 apud VIGANÓ, 2003), pois, como já dito a dor é inerente à vida e condição essencial para a felicidade.

O filósofo ao mesmo tempo em que não nega a existência do sofrimento, também apresenta como bálsamo as artes, em contraposição às religiões e à moral, (VIGANÓ, 2003). As produções artísticas são para ele expressões humanas e também resultantes positivas do sofrimento, são por isso embelezadoras da vida humana.

Esses conceitos de Nietzsche contribuem de modo substancial para a prática clínica psicológica, visto que ao tomar a vida como justificada em si mesma, sem atribuições de ordem moral ou religiosa, o trabalho do psicólogo fica facilitado, pois se liberta das amarras sociais que permeiam o conceito do que é vida e qual a sua função no mundo.

Assim, não é preciso tomar-se uma religião como centro de referência, pois o psicólogo tendo em mente a concepção de que a vida se justifica por si mesma, pode trabalhar com seus pacientes aspectos psicológicos mais ligados à realidade terrena da sua existência e não concepções ligadas à espera por uma vida melhor após a morte, em um céu, por exemplo.

Quanto ao sofrimento, cada vez mais nos vemos envolvidos e incitados pela mídia e indústria farmacêutica a utilizarmos medicamentos que cessem a dor. Tais medicações apenas retiram a sensação do sofrimento e não a sua causa, isto é, essas drogas não atuam no modo de funcionamento psíquico que ocasiona o sofrimento. Estamos inseridos em uma cultura em que sofrer não é permitido ou tolerado, em que a dor deve ser escondida e negada a qualquer custo e acabamos por nos esquecer o quanto crescemos e aprendemos com os fatos que nos fazem sofrer. O desequilíbrio momentâneo do sofrimento pode nos impulsionar para a resolução dos conflitos adjacentes a ele, para a superação dos obstáculos e para a busca da felicidade.

Ver o sofrimento nessa perspectiva contribui para a atuação do psicólogo, pois é esta mesma a nossa função, mostrar outros olhares, outros prismas, outras faces daquilo que para nosso paciente parece ter apenas um dolorido ângulo. Cabe a nós utilizarmo-nos de conceitos como estes para a melhoria de nossas relações terapêuticas.



REFERÊNCIAS

PHILOSOPHY: A guide to happiness. Nietzsche on hardship, parte 1. Direção: Celia Lowenstein. Produção: Neil Crombie. Roteiro e apresentação: Alain de Botton. Produtora: Diverse, Channel FourTelevision Corporation. (9:37). 2004. Disponível em < v="P8J9y1tzuDI&feature=">. Acesso em: 26/10/2008.

___. Nietzsche on hardship, parte 2. Direção: Celia Lowenstein. Produção: Neil Crombie. Roteiro e apresentação: Alain de Botton. Produtora: Diverse,Channel Four Television Corporation. (8:07). 2004. Disponível em < v="YU2prPN8MbI&feature=">. Acesso em: 26/10/2008.

___. Nietzsche on hardship, parte 3. Direção: Celia Lowenstein. Produção: Neil Crombie. Roteiro e apresentação: Alain de Botton. Produtora: Diverse,Channel Four Television Corporation. (6:27). 2004. Disponível em: . Acesso em: 26/10/2008

SILVA, F. O. O fenômeno dionisíaco como questão fundamental em Nietzsche. Morpheus revista eletrônica em ciências humanas – conhecimento e sociedade, UNIRIO. n. 06. 2005.<>. Acesso em 02/12/2008.

TRAPP, R. V. Nietzsche: do problema no conhecimento para o conhecimento como problema. Analecta, Guarapuava, Paraná, vol 06, n.01, jan-jun. 2005. <>. Acesso em: 29/11/2008.


VIGANÓ, S. A idéia de sofrimento em Nietzsche. CienteFico, Salvador, v.I, jan-jun. 2003. . Acesso em: 03/12/2008.