quarta-feira, 5 de novembro de 2008

A mulher da bolsa aberta
Marla

A mulher da bolsa aberta sentava-se ao lado de um homem que era seu amigo. Ele prestava atenção à comunicação do palestrante, que, num mono tom, apresentava, passando as telas do data show, o que pesquisara sem curiosidade e descobriu sem surpresa.
A mulher da bolsa aberta respirava e de vez em quando levantava o cabelo, pois fazia calor. Mostrava, então, as costas, a mim que já havia visto o amigo, o data show-palestrante, a bolsa aberta e o seu conteúdo.
Eu que ouvia sem interesse o palestrante sem paixão fui movido pela visão da bolsa aberta da mulher que levantava, de vez em quando, os cabelos. Interessei-me, menos que pelo conteúdo da bolsa (que afinal não deveria ser tão diferente do das dezenas de bolsas de dezenas de mulheres que se encontravam ali), pela mulher que a trazia aberta, quando nenhuma outra deixava à vista o que quer que carregasse consigo.
Ainda não havia me interessado pelo que as mulheres carregam em suas bolsas, por mais exemplos inusitados que tenha tido. O que eu não havia percebido e agora me interessava era o porquê de elas trazerem suas bolsas sempre cerradas aos olhos alheios, como se resguardassem a própria intimidade, levando-me à intrigante questão de por quê a mulher da bolsa aberta era diferente.
A mulher que levantava os cabelos de vez em quando, pois assim fazia menos calor, deixou a bolsa aberta todo o tempo, e não fora por descuido, pois pegara o celular duas vezes para ver a hora. Sabia a mulher com calor que todas sentiam calor e todas traziam em suas bolsas mais ou menos o que ela trazia, o que todos supunham, e por isso não se importava de o mostrar? Acharia a mulher que mesmo estando a bolsa aberta ninguém olharia o conteúdo, pois sabiam que era como se olhassem a sua intimidade e então não o fariam? Seria a mulher uma exibicionista que procurasse expor a sua intimidade à vista de estranhos que, notando a bolsa aberta, certamente a procurariam devassar? A mulher que sentia calor e levantava os cabelos poderia pensar que uma bolsa é uma bolsa, não sua intimidade, e sim o continente daquilo que carrega por sua função, e não seu significado, e que nada dizia dela, senão que escovava os dentes, tinha celular, dirigia, mascava chiclete (sabor tutti-frutti) e... melhor não dizer tudo, afinal, é a bolsa dela. E eu só olhei porque estava aberta, não vou sair comentando. Vá que ela não percebe. Tutti-frutti. Uma mulher que masca chiclete de tutti-frutti, não de menta. Será que acha o sabor muito forte?
A mulher da bolsa aberta ouviu a palestra até o fim, se levantou e saiu carregando o objeto de minhas elucubrações. Pensei em dirigir-lhe a palavra. Avisar que a bolsa estava aberta, talvez... imagine, que absurdo.
O palestrante desligou o data show e saiu, depois de desfiar um por um os resultados de suas pesquisas. Senti inveja dele. Por mais curiosidade que tenha me despertado, nenhuma de minhas hipóteses será testada. Fico com o mistério.

- Ei, Sandra, que chiclete você prefere?

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